segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Rio de Janeiro a la Nelson Rodrigues


Logo que pisou ali pela primeira vez, tudo que pensou foi: como é doce a frente daquela casa. Agora, sem entender por que, sua vida parecia ter sentido. Aquela praça com dois banquinhos o encantava. Pensou de pronto que precisava fazer parte daquele lugar.

O namoro entre Theodoro e Dorinha era tido como um típico casinho. Nada demais e nada de menos. Mas o que realmente o fazia suspirar era como era verde aquela grama, como aqueles bancos o intimidavam a ser feliz, como o vendedor de algodão doce estava sempre presente, e sorrindo. Lugar como aquele era tão precioso que seria impossível tal vendedor não estar lá. Se necessário, Theodoro iria buscá-lo onde quer que fosse para completar o cenário.

Dorinha nunca entendeu por que o namorado nunca a levou em sua casa, muito menos o motivo dele não desejar conhecer nada além daquela praça. Pois lá os pássaros cantavam e vez ou outra ele via um esquilo correndo. Ninguém acreditava, mas ele podia jurar que o esquilo até o olhou no olho uma vez.

Até seu namoro com Dorinha, que não tinha nada de especial, começou a ter. Na praça ele sentia vontade de exaltá-la, de fazê-la a mulher mais feliz do mundo, lá ele podia brigar por ciúmes, imaginar grandes adultérios, sofrer pelo amor da pequena. Lá ele esperava pacientemente sua musa se trocar, arrumar o cabelo e delicadamente se maquiar. Dava para ver da fresta da janela seus singelos movimentos. Ah, como era encantador.

Theodoro não tinha mais dúvidas, lá o mundo era justo! Na tal pracinha, entre juras de amor inspiradas na vermelhidão do algodão doce e no cantar dos pássaros, o rapaz pediu inconscientemente a mão de Dorinha em casamento. Radiante, a moça começou a pensar nos preparativos. Procurou o melhor vestido, a melhor igreja, tudo de melhor. Quando foi conversar com o pai da noiva, Theodoro se depara com o grande presente do sogro: um sobrado novinho em Copacabana. O pai de Dorinha não queria economizar para a felicidade da filha.

Mas Copacabana? Por que Copacabana?

A tal praça ficava na Urca. Cercada por toda a natureza possível, em frente à casa de Dorinha.

- Não, eu não posso morar lá, disse o moço desesperado.
- Mas, rapaz - disse zangado o pai de Dorinha -, tudo o que vocês precisam está lá. Tudo.

Theodoro baixou a cabeça e rumou sozinho para a praça. Não era justo. Analisando friamente chegou a conclusão que Dorinha era uma estranha para ele. Ela simplesmente sorria catatonicamente enquanto ele fantasiava uma história com um fundo perfeito. Ela nunca realmente estivera lá. E todas aquelas roupas e jóias a lá Audrey Hepburn, e o sorriso enigmático de Monalisa, os cabelos de Catherine Deneuve. Tudo aquilo era pura ilusão. Faziam só parte da praça. Porque, afinal, tudo ficava mais bonito lá.

Chegou a conclusão que não iria em frente com o casamento. Não. Não era justo. Falou ao telefone que queria comunicar algo sério a ela. Pelo tom de voz, Dorinha viu que o noivo não estava bem e logo percebeu o que ocorrera. Foi ao seu encontro na praça. Ouviu quieta a resolução de Theodoro, apenas uma lágrima caiu em seu olho. Olhou fixamente para o ex-noivo, sacou uma arma e atirou.

Ele não tinha o direito de terminar assim com o seu sonho. A bala foi em cheio no pulmão de Theodoro. Aos poucos sua respiração foi fraquejando. As cores se apagando. Mas ele conseguiu manter um olho aberto; quando reparou na grama... lá estava o esquilo, olhando para ele. Theodoro morreu sorrindo.

6 comentários:

Leonardo disse...

Ah, Theodoro, que cara feliz! Foi embora antes que algum psicólogo cagasse as regras do real. Não podia ter tido final mais feliz.

Anônimo disse...

As conseqüências do fim das ilusões são sempre trágicas... Mas insistimos em nos iludir, não tem jeito... O Theodoro se deu bem mal, iludiu-se mais do que deveria e acordou quando já era tarde. E a Glorinha é uma puta louca e histérica. Mais rodrigueano impossível...

Eduardo Neto disse...

sem palavras.

Anônimo disse...

muito bom. muitas vezes é isto mesmo: amamos apenas o que cerca o suposto objeto amado.

Unknown disse...

Ora Theodoro, seu pan-sexual.
Pobre esquilinho...

Anônimo disse...

Nossa,como ficou ótimo seu conto. Ao vivo é muito emociante...rs...Mari