domingo, 22 de junho de 2008

Excentricidades de um mundo banal



* Da agência Estado

Uma professora que ensina três idosos a nadar em uma minúscula cidade que não tem piscina. A moça que compartilha um quintal com um casal triste e estranho. Outra que sonha ter uma aventura sexual com William, filho mais velho do príncipe Charles e Diana. Os personagens de Miranda July vivem uma alegria peculiar, em meio à bizarrice e à sensação de desterro. São tão comuns que se tornam originais, como comprovam os contos de É Claro Que Você Sabe do Que Estou Falando, lançado agora pela Agir.

Publicados originalmente em revistas literárias como The Paris Review, Harper’s, Zoetrope e The New Yorker, os contos se unem por uma mesma linha imaginária, ou seja, são ambientados em cidades pacatas cuja tranqüilidade aparentemente contamina seus habitantes. Mas só na superfície – a carência mais íntima, os pequenos gestos de felicidade, os desejos insólitos individualizam cada morador.

Nas mãos de Miranda, as palavras têm o dom de mobilizar. Ela é mais conhecida pelo único filme, Eu, Você e Todos Nós, disponível em DVD. Assim como seus escritos, o trabalho dela no cinema é sobre sujeito, objeto e o olhar – caminho semelhante ao dos contos. “Na verdade, eu trabalhei no roteiro do longa ao mesmo tempo em que escrevia o livro”, contou Miranda, em entrevista realizada por telefone, de Nova Iorque. “Daí a proximidade de temas.”

Aos 34 anos, Miranda é uma mulher inquieta. Artista performática, criou curtas-metragens misteriosos, muitas vezes surrealistas. Também expôs trabalhos em duas Bienais Whitney e em galerias e museus, como o Museu de Arte Moderna e o Guggenheim. O passo seguinte foi o longa-metragem, com o qual faturou prêmios nos festivais de Cannes (ganhou o Caméra D’Or), Sundance (escolhido melhor pelo júri), Los Angeles, San Francisco, Filadélfia e Newport.

Os críticos, aliás, criaram um verdadeiro dicionário de adjetivos para seu trabalho, como doce, tocante, original, motivador, poético, chocante e muitos outros que não fogem da realidade. Situado no meio de uma moderna e mundana cidade americana, onde todos os dias jovens e velhos lutam para se conectar uns com os outros em um contexto cada vez mais dissociado da cultura digital, Eu, Você e Todos Nós segue a tradição de filmes como Magnólia, Crash e Short Cuts – histórias sobre almas perdidas e solitárias, cujas trajetórias se entrecruzam sem que se dêem conta disso. Filha de dois escritores de literatura new age, ela se chama, de fato, Miranda Jennifer Grossinger – ela tirou o sobrenome July de uma revista para meninas, que ela criou com uma amiga de escola.

Miranda, aliás, foi uma jovem rebelde a seu modo – enquanto os colegas lutavam contra algo pela simples condição de oposição, ela se convenceu de que deveria se transformar em escritora. Assim, aos 16 anos, Miranda escreveu sobre a correspondência que trocou com um assassino encarcerado. Insatisfeita com a escola, escapuliu 18 meses depois, aproveitando o momento certo: enquanto os pais viajavam. Eles, aliás, foram informados da fuga de forma original: encarregado de buscar os pais no aeroporto, o irmão de Miranda acionou uma fita cassete tão logo papai e mamãe se acomodaram no carro, que começava com a clássica frase: “Quando vocês ouvirem esta gravação, estarei...”

Hoje, Miranda dá os retoques finais no roteiro de Satisfaction, filme previsto para estrear no próximo ano e que vai contar o dilema de um jovem casal, que entra em crise quando um decide embarcar em uma missão ecológica. Mais um tema cotidiano que deverá ganhar dimensão humana.

Você escreveu algumas dessas histórias antes de o filme ser lançado?

Sim, foram escritas, ao menos a metade, enquanto criava o roteiro de Eu, Você e Todos Nós. Por isso alguns contos se parecem com o filme, o que não é surpresa já que todos foram criados no mesmo ninho. Os textos maiores foram escritos depois.

Como você sabe que tal idéia é melhor para o cinema ou para publicar em livro?

Percebo no momento do trabalho. Agora, por exemplo, estou terminando um roteiro cuja idéia surgiu para um conto. Mas, como não funcionou, pensei em transformá-la em uma performance. Como também não deu certo, percebi que renderia um roteiro interessante.

Enquanto escrever um livro é uma atividade solitária, realizar um filme envolve uma equipe grande. Você tem preferência por uma ou outra atividade?


Prefiro a que não estou praticando no momento (risos). Ou seja, agora, em que escrevo um roteiro, acho maravilhoso criar contos – é que estou no complicado momento em que tenho de definir os atores para cada papel. Mas, não posso ser tão injusta assim, pois considero o cinema uma atividade maravilhosa, é o mesmo que montar uma colcha de retalhos.

No livro de contos, há muita sensualidade e até muita sexualidade.

Bem, boa parte das situações envolvendo sexo é inventada. Na verdade, não me preocupei muito em ser racional ao escrever sobre isso, caso contrário o resultado seria completamente diferente. Confesso que não me sinto à vontade conversando sobre isso em público: quando precisei participar de leituras para leitores, minha vontade era pular as frases que contêm palavras como “sêmen”.

A morte também parece um assunto recorrente. Por quê?

É algo espiritual. Tento falar de coisas que não entendo, ou que são ininteligíveis. Sempre me interessei pelas diferentes formas com que se pode dimensionar o universo a partir de coisas pequenas. Posso dizer que meus personagens formam um grupo espiritual em seus caminhos terrenos. Eles tomam uma espécie de saltos de fé o tempo todo.

Humor combina com solidão?

Sim. Quando estou sozinha, escrevendo, sei como me divertir, como dar gargalhadas. A solidão me inspira também. Às vezes, quando tenho uma sensação triste, busco amarrá-la com algum detalhe do mundo que, naquele instante, capta a minha atenção e, pronto! Tenho uma história encaminhada.

* * * * * *

Serviço:

É Claro Que Você Sabe do Que Estou Falando, de Miranda July. Agir, 192 págs., R$ 35.

Enquanto isso...


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É fato. Aos poucos o blog tem ficado com menos assunto, mais sozinho, mais distante. Essa é a distância que me separa de New York. Agora que já faz dois meses que eu voltei, NY vai parecendo cada vez mais como um sonho, algo que nunca existiu, mas que ao mesmo tempo faz tanto parte da minha vida. No começo foi mais difícil me desvinciliar, minha cabeça pensava em inglês, meu dinheiro agia em dólar, minhas luzes brilhavam na Times, mas aos poucos vc se acostuma com o fato de morar longe de lá. Mas como diz um amigo, nada que 9 horas não resolva.
O fato da tristeza sobre NY é pensar que SP tinha tudo pra ser igual... mas os impostos não deixam, a pobreza não deixa, a corrupção não deixa. Então eu continuo vivendo aqui (por tempo limitado), com medo de abrir a janela do carro, medo de andar sozinha a pé, medo de checar minha conta do cartão de crédito, medo do meu holerite, mas no final...
É bom estar em casa.

sexta-feira, 6 de junho de 2008